18/10/2013

O silêncio das palavras









O Silêncio é um tema que me ocupa.  As palavras são elas mesmas e o seu silêncio.

No mundo ocidental vivemos num tempo em que as pessoas muito faladoras parecem as mais inteligentes... são as mesmas que ligam a tv para não se sentirem sozinhas,  que ligam o rádio mal entram no carro,  que falam alto para se fazerem ouvir,  que reproduzem estrondosamente o seu ruído interior... e também são as que não medem as palavras, as que se sentem dispensadas de cortesia em casa.... e tudo isso é ruído, é muito ruído.

Pablo Neruda disse um dia:
"PEÇO SILÊNCIO. Agora me deixem tranquilo. Agora se acostumem sem mim. Eu vou cerrar meus olhos. Somente quero cinco coisas, cinco raízes preferidas. Uma é o amor sem fim. A segunda é ver o outono. Não posso ser sem que as folhas voem e voltem à terra. A terceira é o grave inverno, a chuva que amei, a carícia do fogo no frio silvestre. Em quarto lugar o verão redondo como uma melância. A quinta coisa são teus olhos, Matilde minha, bem amada, não quero dormir sem teus olhos, não quero ser sem que me olhes: eu mudo a primavera para que me sigas olhando. Amigos, isso é quanto quero. É quase nada e quase tudo. Agora se querem, podem ir. Vivi tanto que um dia terão de por força me esquecer, apagando-me do quadro-negro: meu coração foi interminável. Porém porque peço silêncio não creiam que vou morrer: passa comigo o contrário: sucede que vou viver. Sucede que sou e que sigo. Não será, pois lá bem dentro de mim crescerão cercais, primeiro os grãos que rompem a terra para ver a luz, porém a mãe terra é escura: dentro de mim sou escuro: sou como um poço em cujas águas a noite deixa suas estrelas e segue sozinha pelo campo. Sucede que tanto vivi que quero viver outro tanto. Nunca me senti tão sonoro, nunca tive tantos beijos. Agora, como sempre, é cedo. Voa a luz com suas abelhas. Me deixem só com o dia. Peço Licença para nascer. "


No Reiki estudamos o kotodama (literalmente traduzido do japonês, "a alma da palavra" koto significa palavra e tama significa  alma). Kotodama ou kototama também se usa para designar sons que influenciam o nosso mundo físico e espiritual, kotodamas podem ser mantras. Na cultura japonesa e noutras, esses sons (mantrados) provocam uma alteração no estado de consciência ajudando à  concentração, elevação espiritual e transmutação da realidade percebida. Os cinco princípios de Reiki de Mikao Usui também são diariamente recitados ou cantados como um kotodama repetindo-se três vezes o texto. Eles constituem como que uma oração, um verdadeiro apaziguamento da alma.
Mas independentemente desse aspecto, toda a palavra tem um espírito e isso nunca pode ser esquecido. E é esse espírito que transmitimos aos outros quando lhes dirigimos a palavra. E quando as palavras são certas, as necessárias, elas traduzem um espírito elevado e em nada comprometem o silêncio. Porque elas próprias saem dum silêncio que as precede e enquadra. O kotodama encerra em si o valor do silêncio.


Sobre a língua japonesa e o tema Kotodama, aqui fica um excerto retirado do site Gouki Shinryu Heihou:

«A maioria geralmente não pensa ou debate sobre isso, porém todo literato, linguista e/ou escritor tem a linguagem como sua principal ferramenta de trabalho, de modo que percebe as nuances que a envolve. A partir da linguagem de um povo, é possível extrair muitos de seus hábitos e um pouco do que compõe a psique dessa nação, uma vez que a linguagem é o meio que o homem encontrou para exteriorizar seu conhecimento e emoções internas.

A partir desse prisma, não é tão difícil identificar diferenças elementares simplesmente a partir da linguagem dos povos. Por exemplo, o inglês é uma língua muito simples e objetiva, o que sugere a urgência e dinamismo históricos do povo americano e inglês em termos de negócios, uma vez que o inglês arcaico é muito diferente, de maior complexidade (havia até mesmo acentos gráficos), essa simplificação é, em parte, o que ajudou o inglês a se consagrar como "língua universal." O francês e sua complexidade um pouco mais elevada tanto fonética quanto gramaticalmente remontam ao seu passado nobre e reflete seu desejo por um status pomposo. O russo é um idioma de sonoridade tão forte quando o semblante de seus nativos e de difícil assimilação, tais quais seus costumes. O português é um idioma complexo, bastante específico em alguns pontos, como a diversidade de palavras e tempos verbais, por exemplo, e bastante vago em outros, como na lógica de suas exceções e irregularidades fonéticas e ortográficas (é com s, ss, c ou ç?), como os próprios lusitanos e sua sede de poder, que, sem o direcionamento adequado, logo os fez perder o posto de potência e, porque não dizer, compatível ainda com os brasileiros e sua relatividade de valores e simultânea capacidade incrível de adaptação.

No caso japonês, a linguagem é encarada de maneira muito diferente, para não dizer oposta, ao método ocidental. Um antigo conceito nipônico chamado Kotodama, presente inclusive desde documentos ligados ao mito de criação japonês como o Kojiki, significa o poder ou o espírito das palavras/linguagem. A partir disso, Kotodama sugere que nas palavras e nomes está contido uma responsabilidade e mesmo poderes místicos, sendo que os japoneses não vêem a linguagem como um objeto e sim como um evento, um assunto a ser estudado e interpretado das mais variadas formas.

Pelo facto da língua japonesa não ser muito rica foneticamente, muitas palavras são pronunciadas da mesma forma e podem causar mal-entendidos, caso o interlocutor não se mantenha atento. É contra a etiqueta japonesa ser muito direto, sendo assim, tanto por educação como por conveniência, um discurso pode ser facilmente proferido de forma genérica, de modo a deixar uma mensagem subentendida.

Por isso, na língua japonesa, o que predomina é a interpretação e todos os elementos envolvidos ao ato de falar também contam na passagem da mensagem. Esse é um dos motivos pelos quais a interrupção de um discurso é inadmissível para a dinâmica de linguagem japonesa, mesmo as pausas podem conter algum significado. Ma é o termo que se refere ao que os japoneses chamam de "pausas no tempo e no espaço", que por definição são muito mais que uma mera lacuna em branco. Nas artes, que constituíram as primeiras aparições e grande parte de sua utilidade de ma dentro da cultura japonesa, essas pausas demarcavam ritmo, dramaticidade e integravam todo o conjunto adquirindo importância. Posteriormente, esse hábito passou a ser utilizado também socialmente e foi completamente integrado por serem os japoneses um povo de muitas sutilezas em todos os sentidos, tudo em sua cultura é muito artístico.

Por outro lado, a Kotodama possui também sua faceta negativa para os japoneses, tal qual a linguagem pode favorecer as artes, seu poder também é temido pelo povo. Essencialmente discretos, os japoneses mantém certa desconfiança nas palavras, por serem muito generalizadas e dependentes do contexto, com frequência eles acham por bem não se embasar por completo no que ouvem ou mesmo no que dizem, pois jamais podem ter certeza de que a mensagem foi passada adequadamente. Seria extremamente indelicado questionar o interlocutor sobre isso e, na visão japonesa, a responsabilidade pelas palavras que se profere é única e inteiramente do indivíduo, caso não tenha sido bem sucedido em transmitir o que intencionava, a vergonha e a retratação devem ser absorvidas por ele.

Encaradas como artes por excelência e patrimônio cultural japonês, também as artes marciais originadas nesse território sofreram influência do "espírito da palavra." Qualquer pesquisador e/ou praticante das artes japonesas podem perceber que é muito frequente a utilização do Kiai, ou seja, a vocalização de algumas sílabas durante a prática da técnica. Isso é uma evidência elementar da crença japonesa no poder da palavra e da linguagem, os antigos guerreiros utilizavam essa ferramenta para intimidar o oponente e mostrar superioridade, quanto mais alto e bem proferido o seu Kiai, melhor visto era o bushi.

Essa filosofia serve como ensinamento para a educação e consciência do poder da linguagem. Um senso de responsabilidade deve ser adquirido sobre o que se fala, pois as palavras proferidas são o que os demais podem captar da sua personalidade e essência, bem como tudo que as cerca, ou seja, sua postura, entonação, vocábulo, gestos. O conjunto de todos esses fatores compõe a figura que será criada em torno de sua imagem e todo emissor deve cuidar para se fazer entender claramente, do contrário, idéias equivocadas sobre suas afirmações podem ser geradas e, a partir disso, todo um ciclo de influências se formará em torno desse entendimento errôneo que inclusive poderá voltar a prejudicar o próprio indivíduo.»










O silêncio dos índios
(autor desconhecido)


Nós os índios, conhecemos o silêncio. Não temos medo dele.
Na verdade, para nós ele é mais poderoso do que as palavras.
Nossos ancestrais foram educados nas maneiras do silêncio e eles...
nos transmitiram esse conhecimento.

"Observa, escuta, e logo actua", nos diziam.
Esta é a maneira correcta de viver.
Observa os animais para ver como cuidam dos seus filhotes.
Observa os anciões para ver como se comportam.
Observa o homem branco para ver o que quer.
Sempre observa primeiro, com o coração e a mente quietos,
e então aprenderás.
Quando tiveres observado o suficiente, então poderás actuar.

Com vocês, brancos, é o contrário. Vocês aprendem falando.
Dão prêmios às crianças que falam mais na escola.
Em suas festas, todos tratam de falar.
No trabalho estão sempre tendo reuniões
nas quais todos interrompem a todos,
e todos falam cinco, dez, cem vezes.
E chamam isso de "resolver um problema".
Quando estão numa habitação e há silêncio, ficam nervosos.
Precisam preencher o espaço com sons.
Então, falam compulsivamente, mesmo antes de saber o que vão dizer.
Vocês gostam de discutir.
Nem sequer permitem que o outro termine uma frase.
Sempre interrompem.

Para nós isso é muito desrespeitoso e muito estúpido, inclusive.
Se começas a falar, eu não vou te interromper.
Te escutarei.
Talvez deixe de escutar-te se não gostar do que estás dizendo.
Mas não vou interromper-te.
Quando terminares, tomarei a minha decisão sobre o que disseste,
mas não te direi que não estou de acordo, a menos que seja importante.
Do contrário, simplesmente ficarei calado e me afastarei.
Terás dito o que preciso saber.
Não há mais nada a dizer.
Mas isso não é suficiente para a maioria de vocês.

Deveríam pensar nas suas palavras como se fossem sementes.
Deveriam plantá-las, e permitir que cresçam em silêncio.
Nossos ancestrais nos ensinaram que a terra está sempre nos falando, e que devemos ficar em silêncio para escutá-la.
Existem muitas vozes além das nossas.
Muitas vozes.
Só vamos escutá-las em silêncio.

8 comentários:

  1. Boas palavras, sobre a ausência delas.

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    1. Obrigada pelo incentivo, terei que me esforçar bastante para manter a atenção de leitores tão exigentes!

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  2. Maria Manuela:
    Meu parabéns! Grande blog, excelentes temas!!

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    1. Meu caro Roberto, vindo de si, este é um cumprimento muito especial! bem haja.

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  3. Adorei Manuela, de coração!!! Muitos Parabéns!!!

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  4. Em jeito de comentário: Na bíblia diz, que os céus e a terra foram criados pela "palavra"..."No princípio era o Verbo, e o verbo era com Deus e o verbo era Deus"....os céus e a terra foram feitos pela palavra, e sem ela nada do que foi feito se fez...e "disse Deus: Haja Luz, e houve luz"...e toda a descrição da criação segue por aí...! tb diz algures, que "há poder de Vida e Morte nas palavras"...que nenhuma palavra é em vão, mas são "espírito e Vida" e cumprem o propósito para o qual são enviadas..." curioso!!!!!

    Claro que não se fala disto, não parece ser tão interessante ou intelectualmente culto como falar da cultura japonesa, muito mais poético, mas a verdade é que desde tempos imemoriais os seres atentos sabem do poder das palavras...dos sons...e é bem verdade que a nossa cultura ocidental está a "abalrroar" as palavras...e por conseguinte, a própria Vida.

    Com mais uma abraço....adorava falar contigo horas a fio...ou ficar junto de ti em silencio horas a fio!!!!!!

    paula

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