31/10/2013

batatas cultivadas em palha




Hoje vamos à horta para semear batatas, mas não levamos a enxada, porque não vamos cavar, ganhar uma dor de rins.... nada disso! Vamos, isso sim, continuar a percorrer os caminhos da auto suficiência, com muito amor à pele!


Dito de outra forma, simplesmente, vamos aplicar o que aprendemos com uma extraordinária senhora chamada Ruth Stout, nascida em 1887 no Kansas, EUA. Com mais de 95 anos, ela ainda cultivava a sua terra, com um método que fez escola em todo o mundo, sem esforço e sem gastar água!

Este sistema está a ser utilizado e divulgado especialmente em zonas desérticas e até mesmo em Portugal, em parcelas de terrenos que, não tendo água, ficariam para sempre improdutivas.  

Afinal do que se trata? de pôr simplesmente as batatas sobre a terra, espalhando os "olhos" cortados, ou a batata inteira, e cobrindo tudo abundantemente com palha.

As batatas que estão no início desta página foram a minha colheita com este sistema.  Fiz assim:  ao contrário do que se vê no vídeo, em que a terra é absolutamente árida, preparei uma boa cama de terra adubada com a minha compostagem e molhei-a.  Em seguida, espalhei sobre a terra molhada os "olhos" grelados das batatas, como se faz habitualmente, com uma certa distância entre eles. Tapei tudo generosamente com palha, quero dizer, pus sobre as batatas a palha necessária para ficar convencida de que elas não "viam" luz.  Como foi uma pequena quantidade para primeira experiência, um fardo de palha foi o bastante.






 Nunca reguei!  percebi pela explicação de Ruth Stout que qualquer réstea de humidade que haja no ar é retida pela palha e suficiente para fazer desenvolver as batatas.  Com alegria, ao fim de pouco tempo comecei a vê-las despontar, depois formar-se um bonito batatal e, por fim, quando a rama murchou, retirei a palha e deparei com uma quantidade de batatas que me deixaram orgulhosa: saborosas, sãs, grandes e  pequenas,  indiscutivelmente de muito boa qualidade!

Escusado será dizer, que num ano de muita chuva este método não é o melhor.  Ele é mesmo ideal para quando não chove e/ou para um terreno onde não haja água.  E  escusado será também dizer que, depois da colheita, a palha envelhecida é incorporada na terra, enriquecendo-a e ajudando-a a manter a humidade, cumprindo-se assim mais um  ciclo perfeito de reaproveitamento natural integral.

No ano em que fiz a  experiência que aqui está fotografada, praticamente não choveu e a pouquíssima chuva que caiu sobre o meu mini batatal coberto com palha não o prejudicou em nada. Sinceramente, tendo visto o video, penso que mesmo que tivessem passado meses sem um pingo de chuva, o resultado continuaria a ser excelente.
Não custa nada tentar! se tiverem condições para isso, peguem em 3kg ou 4kg de batatas e façam a experiência. O resultado é mesmo surpreendente! aliás, só o facto de não ser preciso gastar água tem um valor inestimável! 
http://www.youtube.com/watch?v=GNU8IJzRHZk

Vejam atentamente o video onde a própria Ruth Stout explica e mostra como se faz. 

E não só batatas! eu ainda não me aventurei a outras culturas, mas lá irei! Na imagem abaixo, vemos cebolas cultivadas pelo mesmo método.


_________________________________________________________________

Entrámos em 2014 e as minhas batatas plantadas com palha no final de Setembro 2013 estão prontas a serem colhidas.  Desta vez, tinha um espaço tão pequenino, ± 1,5 m2, e porque choveu bastante, a produção também foi pequenina, mas nem por isso menos  entusiasmante e saborosa.  Aqui está ela:



Mas porque tenho um gato mariola, o portentoso Napoleão, que este ano decidiu instalar-se a apanhar sol em cima  da palha das batatas, aproveito para vos mostrar o resultado de ele ter mexido na palha, diminuindo a camada  que cobria as batatas.  Cá está ele e a sua obra!







Vêem-se bem as manchas provocadas pela entrada de luz. O que vale é que ele não andou a mudar de lugar, só estragou estas.  E no fundo até lhe estou grata, já que assim posso fazer esta chamada de atenção: as batatas têm que ser abundantemente tapadas com a palha, não podem apanhar luz!

25/10/2013

lixívia de cinzas



Vem aí o tempo frio! quem tem lareira, nesta altura já tratou do aprovisionamento de lenha e pinhas e  de as arrumar com mestria. Sim, o arrumar da lenha "tem ciência", não vá ela desabar por ali abaixo! Não tarda, é tempo de carregar um cesto de lenha para dentro de casa todos os dias!  miúdos e graúdos, todos anseiam por um serão quentinho passado à lareira com a família e os amigos. 

Mas depois do fogo, vêm as cinzas e há que dar-lhes destino.  Em tempos consideradas um produto valioso na lavagem da roupa, usadas em barrelas que deixavam linhos e algodões corados ao sol numa brancura imaculada, hoje em dia as cinzas, sobretudo nos meios urbanos, são consideradas "um estorvo".  Quem tem horta, ainda aproveita para as espalhar no terreno, atrapalhando a vida às indesejáveis lagartas e caracóis, mas nas cidades isso não acontece. Juntam-se as cinzas de dois ou mais dias, espera-se que arrefeçam completamente, que não contenham brasas incandescentes e lá vão elas para o lixo.
Mal empregadas! 




Do mesmo modo que se podem aproveitar óleos usados para fazer sabão, poupando os cursos de água e os terrenos a muita poluição, também as cinzas podem produzir um excelente produto de limpeza, a lixívia de cinzas

Como fazer a lixívia de cinzas

Comece por coar as cinzas numa peneira mais grossa, libertando-a das partículas maiores


 

e depois num crivo mais apertado, até obter um pó fino.


em seguida,
  • Ponha a ferver durante 30 minutos 1kg de cinzas peneiradas com 3 litros de água, de preferência sem cloro, numa panela inox, tapada.
  • Abafe a panela com um cobertor, deixe repousar durante 48 horas e filtre.
  • Filtre  primeiro através dum pano para reter a maior parte das cinzas e, em seguida, através de um filtro de papel, para clarificar a lixívia obtida.



A lixívia de cinzas é um poderoso desengordurante e germicida, a utilizar na limpeza da cozinha, fogão, casas de banho, torneiras, todos os inox, o verdete dos muros... 
As cinzas podem voltar a ser fervidas e coadas, podendo acrescentar-se essa segunda lexívia à primeira.  Consoante a necessidade, pode usá-la pura ou diluída. Com as cinzas que permanecem no pano depois da filtragem, pode-se lavar o chão de pátios e passeios, esfregando-os com uma vassoura e mais água.  Verá que em todos os casos o resultado é surpreendente!

Esta lixívia tem propriedades muito diferentes da lixívia de cloro que habitualmente se vende nos supermercados.  A lixívia de cinzas não tira a cor dos tecidos, é desengordurante e inodora, além de que, na diluição indicada,  não é poluente para os cursos de água e terrenos.  Têm em comum o facto de serem germicidas.

Perguntam-me muitas vezes se todas as cinzas são iguais, ou seja, se a lixívia de cinzas obtida é igual feita a partir de quaisquer cinzas. 
Madeiras diferentes, produzem cinzas diferentes. As cinzas resultantes da combustão de madeiras duras, como sobro ou azinho, contêm mais potássio e fazem uma lexívia mais actuante do que as cinzas de madeiras moles, como pinho ou eucalipto.  Mas todas podem ser utilizadas em limpezas.





Muito importante
  • Identifique claramente a embalagem da lixívia de cinzas com um rótulo bem legível, para não a confundir com qualquer outro produto.
  • Por se tratar de um produto muito alcalino, hidróxido de potássio, ele deve ser manipulado com luvas.






22/10/2013

agulheiros

Já reparou que a maior parte das pessoas tem as agulhas mal paradas? ora desarrumadas na caixa da costura, ora espetadas num trapo feio... mas não há razão para isso! Veja o que  pode fazer com restinhos de tecidos e pequenos rectângulos de cartão.  
Uns agulheiros bonitos e práticos, que ainda por cima podem ser um presente muito simpático. E agora que o Natal se aproxima e todos queremos gastar o menos possível, vamos meter mãos à obra com mais uma peça fácil, gira e grátis, feita com aproveitamentos de trapos que já não têm tamanho para mais nada.



  1. Comece por cortar 2 cartões com ± 8cm x 7cm, aproveitando caixas de sapatos, ou outras. Corte também 2 rectângulos de tecidos que fiquem esteticamente bem um com o outro, para fazer o exterior e o interior do agulheiro. Os rectângulos dos 2 tecidos  terão que ser um pouco maiores do que os 2 cartões juntos, para os forrar por fora e por dentro.
  2. Ponha o tecido que escolheu para o exterior do agulheiro na tábua de engomar, com o avesso virado para cima (no caso da foto acima, o tecido dos quadrados).
  3. Sobre o tecido, alinhe os 2 cartões, mas não os encoste um ao outro. Deixe entre eles um espaço de ± 1,5cm, que virá a ser a lombada da carteira de agulhas, ou agulheiro como lhe quiser chamar.
  4. Ligue o ferro de engomar. Dobre para o lado de dentro as bordas do tecido, bem justas aos cartões, colocando entre os cartões e o tecido  fita térmica de colar bainhas. Passe a ferro, com o ferro bem quente, para colar o tecido aos cartões. Faça isso primeiro no sentido do comprimento e depois no sentido da largura.  Tenha o cuidado de deixar os cantos perfeitos e o tecido tem que ficar bem esticado. A parte de fora, já está feita.
  5. Agora, com o tecido reservado para a parte de dentro, repita a operação, mas dobrando os bordos para o interior do trabalho, bem rentes à linha dos cartões,  para formar uma peça única. O modo de colar é o mesmo, usando a fita térmica de colar bainhas. Mais uma vez, cuide dos 4 cantos. Com a fita térmica e o ferro de engomar, consegue-se fazer um trabalho muito perfeito.
  6. Neste momento já tem o agulheiro montado, com o exterior e o interior com tecidos bonitos e compatíveis.
  7. Para terminar, há que fazer a parte onde se vão espetar as agulhas: um rectângulo pequeno de flanela, também de cor condizente com o resto do trabalho, e cujos bordos são recortados com uma tesoura de bicos, como se usa nas amostras de tecidos para não se desfiarem.
  8. Cosa esse rectângulo de flanela na parte central, à mão ou à máquina, como mostra a imagem acima.



E aqui tem um presente útil, bonito, original e muito barato, para o qual provavelmente só irá precisar de  comprar um pouco de fita térmica de colar bainhas.



As dicas finais: 
  1. Prefira tecidos de algodão, ou linho, para poder passar sobre eles o ferro quente, sem perigo de queimar. Tecidos com fibras devem ser protegidos com papel vegetal, ou um pano fino, antes de os passar a ferro para colar.
  2. Se tiver um ferro de viagem, daqueles pequeninos, tem toda a vatagem em utilizá-lo neste trabalho: primeiro, porque consome menos electricidade do que o grande; segundo, porque tratando-se de uma peça pequena, um ferro de engomar também pequeno facilita-lhe a vida.
  3. Em vez de tecidos estampados, também pode bordar um desenho simples, ou um monograma, num pedacinho de linho e fazer com ele a parte exterior do agulheiro. A sua criatividade vai com certeza levá-la pelo melhor caminho!
Por fim, mas não menos importante: divirta-se sempre muito a fazer trabalhos manuais. Sinta-se orgulhosa das suas competências, presenteie aqueles de quem mais gosta com as suas obras, a sua criatividade e o seu amor! e se puder evitar... não gaste dinheiro!

Fotos de João Garcia



21/10/2013

casaco fácil







É com imensa alegria que vejo renascer o interesse pelas artes antigas, aquela sabedoria das nossas avós que correu – e ainda corre – o risco de se perder! Mais uma vez, falo de amor à pele e de auto-suficiência!  A correria, a urgência em que hoje se vive, trabalhar, tratar das crianças,  levá-las à escola, ir buscá-las, quantas vezes literalmente arrastadas por um braço para andarem mais depressa, o frenesim do trânsito, em suma, tudo o que nos tira do eixo, não pode roubar-nos o prazer incomparável de nos sentarmos a ler um bom livro, uma conversa tranquila com a família e os amigos, um trabalho de mãos, autênticas terapias para o corpo e para a alma. Entre estes, os trabalhos com lãs, a costura e tudo o que a nossa criatividade nos ditar.

 
Perpetuar esta sabedoria é prestar um grande serviço à  humanidade!


 










Hoje mostro aqui um casaco que, em esquema, não é mais do que uma "camisola sem buraco para a cabeça". Exactamente assim!  A imaginação é o limite: do tipo de lã ao ponto utilizado, em crochet ou em tricot e até misturando tecido e lã trabalhada, as possibilidades são infinitas! 








Como se faz? 
Como já disse, é uma "camisola sem buraco para a cabeça":
 1º um rectângulo, que se cose dum lado e do outro, para formar os braços e costas. Normalmente esse rectângulo tem entre 50cm e 60cm de largura, conforme o tamanho do casaco. 
O comprimento deste rectângulo que forma os braços e costas, determina o comprimento da manga.
2º no espaço que fica aberto ao centro, que corresponderá ao "corpo da camisola"  tece-se em redondo, a toda a volta, tendo o cuidado de ir alargando o número de pontos, para que o casaco assente bem. Remata-se e já está! 

Na mão, o aspecto do casaco é este



 



Variações do mesmo modelo

















  

Para terminar, uma dica:  utilize sempre materiais de boa qualidade. Se não o fizer, o resultado final dificilmente a fará sentir-se recompensada pelo esforço dispendido.


18/10/2013

O silêncio das palavras









O Silêncio é um tema que me ocupa.  As palavras são elas mesmas e o seu silêncio.

No mundo ocidental vivemos num tempo em que as pessoas muito faladoras parecem as mais inteligentes... são as mesmas que ligam a tv para não se sentirem sozinhas,  que ligam o rádio mal entram no carro,  que falam alto para se fazerem ouvir,  que reproduzem estrondosamente o seu ruído interior... e também são as que não medem as palavras, as que se sentem dispensadas de cortesia em casa.... e tudo isso é ruído, é muito ruído.

Pablo Neruda disse um dia:
"PEÇO SILÊNCIO. Agora me deixem tranquilo. Agora se acostumem sem mim. Eu vou cerrar meus olhos. Somente quero cinco coisas, cinco raízes preferidas. Uma é o amor sem fim. A segunda é ver o outono. Não posso ser sem que as folhas voem e voltem à terra. A terceira é o grave inverno, a chuva que amei, a carícia do fogo no frio silvestre. Em quarto lugar o verão redondo como uma melância. A quinta coisa são teus olhos, Matilde minha, bem amada, não quero dormir sem teus olhos, não quero ser sem que me olhes: eu mudo a primavera para que me sigas olhando. Amigos, isso é quanto quero. É quase nada e quase tudo. Agora se querem, podem ir. Vivi tanto que um dia terão de por força me esquecer, apagando-me do quadro-negro: meu coração foi interminável. Porém porque peço silêncio não creiam que vou morrer: passa comigo o contrário: sucede que vou viver. Sucede que sou e que sigo. Não será, pois lá bem dentro de mim crescerão cercais, primeiro os grãos que rompem a terra para ver a luz, porém a mãe terra é escura: dentro de mim sou escuro: sou como um poço em cujas águas a noite deixa suas estrelas e segue sozinha pelo campo. Sucede que tanto vivi que quero viver outro tanto. Nunca me senti tão sonoro, nunca tive tantos beijos. Agora, como sempre, é cedo. Voa a luz com suas abelhas. Me deixem só com o dia. Peço Licença para nascer. "


No Reiki estudamos o kotodama (literalmente traduzido do japonês, "a alma da palavra" koto significa palavra e tama significa  alma). Kotodama ou kototama também se usa para designar sons que influenciam o nosso mundo físico e espiritual, kotodamas podem ser mantras. Na cultura japonesa e noutras, esses sons (mantrados) provocam uma alteração no estado de consciência ajudando à  concentração, elevação espiritual e transmutação da realidade percebida. Os cinco princípios de Reiki de Mikao Usui também são diariamente recitados ou cantados como um kotodama repetindo-se três vezes o texto. Eles constituem como que uma oração, um verdadeiro apaziguamento da alma.
Mas independentemente desse aspecto, toda a palavra tem um espírito e isso nunca pode ser esquecido. E é esse espírito que transmitimos aos outros quando lhes dirigimos a palavra. E quando as palavras são certas, as necessárias, elas traduzem um espírito elevado e em nada comprometem o silêncio. Porque elas próprias saem dum silêncio que as precede e enquadra. O kotodama encerra em si o valor do silêncio.


Sobre a língua japonesa e o tema Kotodama, aqui fica um excerto retirado do site Gouki Shinryu Heihou:

«A maioria geralmente não pensa ou debate sobre isso, porém todo literato, linguista e/ou escritor tem a linguagem como sua principal ferramenta de trabalho, de modo que percebe as nuances que a envolve. A partir da linguagem de um povo, é possível extrair muitos de seus hábitos e um pouco do que compõe a psique dessa nação, uma vez que a linguagem é o meio que o homem encontrou para exteriorizar seu conhecimento e emoções internas.

A partir desse prisma, não é tão difícil identificar diferenças elementares simplesmente a partir da linguagem dos povos. Por exemplo, o inglês é uma língua muito simples e objetiva, o que sugere a urgência e dinamismo históricos do povo americano e inglês em termos de negócios, uma vez que o inglês arcaico é muito diferente, de maior complexidade (havia até mesmo acentos gráficos), essa simplificação é, em parte, o que ajudou o inglês a se consagrar como "língua universal." O francês e sua complexidade um pouco mais elevada tanto fonética quanto gramaticalmente remontam ao seu passado nobre e reflete seu desejo por um status pomposo. O russo é um idioma de sonoridade tão forte quando o semblante de seus nativos e de difícil assimilação, tais quais seus costumes. O português é um idioma complexo, bastante específico em alguns pontos, como a diversidade de palavras e tempos verbais, por exemplo, e bastante vago em outros, como na lógica de suas exceções e irregularidades fonéticas e ortográficas (é com s, ss, c ou ç?), como os próprios lusitanos e sua sede de poder, que, sem o direcionamento adequado, logo os fez perder o posto de potência e, porque não dizer, compatível ainda com os brasileiros e sua relatividade de valores e simultânea capacidade incrível de adaptação.

No caso japonês, a linguagem é encarada de maneira muito diferente, para não dizer oposta, ao método ocidental. Um antigo conceito nipônico chamado Kotodama, presente inclusive desde documentos ligados ao mito de criação japonês como o Kojiki, significa o poder ou o espírito das palavras/linguagem. A partir disso, Kotodama sugere que nas palavras e nomes está contido uma responsabilidade e mesmo poderes místicos, sendo que os japoneses não vêem a linguagem como um objeto e sim como um evento, um assunto a ser estudado e interpretado das mais variadas formas.

Pelo facto da língua japonesa não ser muito rica foneticamente, muitas palavras são pronunciadas da mesma forma e podem causar mal-entendidos, caso o interlocutor não se mantenha atento. É contra a etiqueta japonesa ser muito direto, sendo assim, tanto por educação como por conveniência, um discurso pode ser facilmente proferido de forma genérica, de modo a deixar uma mensagem subentendida.

Por isso, na língua japonesa, o que predomina é a interpretação e todos os elementos envolvidos ao ato de falar também contam na passagem da mensagem. Esse é um dos motivos pelos quais a interrupção de um discurso é inadmissível para a dinâmica de linguagem japonesa, mesmo as pausas podem conter algum significado. Ma é o termo que se refere ao que os japoneses chamam de "pausas no tempo e no espaço", que por definição são muito mais que uma mera lacuna em branco. Nas artes, que constituíram as primeiras aparições e grande parte de sua utilidade de ma dentro da cultura japonesa, essas pausas demarcavam ritmo, dramaticidade e integravam todo o conjunto adquirindo importância. Posteriormente, esse hábito passou a ser utilizado também socialmente e foi completamente integrado por serem os japoneses um povo de muitas sutilezas em todos os sentidos, tudo em sua cultura é muito artístico.

Por outro lado, a Kotodama possui também sua faceta negativa para os japoneses, tal qual a linguagem pode favorecer as artes, seu poder também é temido pelo povo. Essencialmente discretos, os japoneses mantém certa desconfiança nas palavras, por serem muito generalizadas e dependentes do contexto, com frequência eles acham por bem não se embasar por completo no que ouvem ou mesmo no que dizem, pois jamais podem ter certeza de que a mensagem foi passada adequadamente. Seria extremamente indelicado questionar o interlocutor sobre isso e, na visão japonesa, a responsabilidade pelas palavras que se profere é única e inteiramente do indivíduo, caso não tenha sido bem sucedido em transmitir o que intencionava, a vergonha e a retratação devem ser absorvidas por ele.

Encaradas como artes por excelência e patrimônio cultural japonês, também as artes marciais originadas nesse território sofreram influência do "espírito da palavra." Qualquer pesquisador e/ou praticante das artes japonesas podem perceber que é muito frequente a utilização do Kiai, ou seja, a vocalização de algumas sílabas durante a prática da técnica. Isso é uma evidência elementar da crença japonesa no poder da palavra e da linguagem, os antigos guerreiros utilizavam essa ferramenta para intimidar o oponente e mostrar superioridade, quanto mais alto e bem proferido o seu Kiai, melhor visto era o bushi.

Essa filosofia serve como ensinamento para a educação e consciência do poder da linguagem. Um senso de responsabilidade deve ser adquirido sobre o que se fala, pois as palavras proferidas são o que os demais podem captar da sua personalidade e essência, bem como tudo que as cerca, ou seja, sua postura, entonação, vocábulo, gestos. O conjunto de todos esses fatores compõe a figura que será criada em torno de sua imagem e todo emissor deve cuidar para se fazer entender claramente, do contrário, idéias equivocadas sobre suas afirmações podem ser geradas e, a partir disso, todo um ciclo de influências se formará em torno desse entendimento errôneo que inclusive poderá voltar a prejudicar o próprio indivíduo.»










O silêncio dos índios
(autor desconhecido)


Nós os índios, conhecemos o silêncio. Não temos medo dele.
Na verdade, para nós ele é mais poderoso do que as palavras.
Nossos ancestrais foram educados nas maneiras do silêncio e eles...
nos transmitiram esse conhecimento.

"Observa, escuta, e logo actua", nos diziam.
Esta é a maneira correcta de viver.
Observa os animais para ver como cuidam dos seus filhotes.
Observa os anciões para ver como se comportam.
Observa o homem branco para ver o que quer.
Sempre observa primeiro, com o coração e a mente quietos,
e então aprenderás.
Quando tiveres observado o suficiente, então poderás actuar.

Com vocês, brancos, é o contrário. Vocês aprendem falando.
Dão prêmios às crianças que falam mais na escola.
Em suas festas, todos tratam de falar.
No trabalho estão sempre tendo reuniões
nas quais todos interrompem a todos,
e todos falam cinco, dez, cem vezes.
E chamam isso de "resolver um problema".
Quando estão numa habitação e há silêncio, ficam nervosos.
Precisam preencher o espaço com sons.
Então, falam compulsivamente, mesmo antes de saber o que vão dizer.
Vocês gostam de discutir.
Nem sequer permitem que o outro termine uma frase.
Sempre interrompem.

Para nós isso é muito desrespeitoso e muito estúpido, inclusive.
Se começas a falar, eu não vou te interromper.
Te escutarei.
Talvez deixe de escutar-te se não gostar do que estás dizendo.
Mas não vou interromper-te.
Quando terminares, tomarei a minha decisão sobre o que disseste,
mas não te direi que não estou de acordo, a menos que seja importante.
Do contrário, simplesmente ficarei calado e me afastarei.
Terás dito o que preciso saber.
Não há mais nada a dizer.
Mas isso não é suficiente para a maioria de vocês.

Deveríam pensar nas suas palavras como se fossem sementes.
Deveriam plantá-las, e permitir que cresçam em silêncio.
Nossos ancestrais nos ensinaram que a terra está sempre nos falando, e que devemos ficar em silêncio para escutá-la.
Existem muitas vozes além das nossas.
Muitas vozes.
Só vamos escutá-las em silêncio.